o MeU eU e Os OuTrOs EuS (eL mEu Jo I eLs AlTrEs JoS)

agosto 12, 2008

História de Laia (continuação 2)



A rapariga que o esperava não era, de facto, Laia. Era apenas uma mensageira que ao cumprir com a sua missão, desapareceu correndo em direcção ao mar. Andreu pensou em segui-la, mas nas suas mãos tinha o que poderia ser a chave de tanto mistério: o envelope que minutos antes lhe tinha sido entregue. Sentou-se então na areia e abriu-o. Nessa altura, sentiu-se circundado de um doce perfume que se desprendia das páginas amareladas do papel de carta. Um perfume que não lhe era estranho. O mesmo aroma a camomila que sentira quando Laia desfalecera na noite anterior em seus braços.

"Antes de mais quero desculpar-me por ter desaparecido assim. Tinha saído de casa há algumas horas, sem deixar qualquer informaçao do meu paradeiro. Na verdade, não esperava que a névoa se tornasse tão densa ao ponto de não me deixar voltar e muito menos esperava encontrar-te. Acordei de madrugada, despertada pelas vozes que chamavam o meu nome pelos quatro cantos da vila.

Queria agradecer-te por teres ficado ao meu lado, mas não tinha outra alternativa que sair da praia o mais rápido possível e regressar esperando que ninguém me tivesse visto contigo. Apesar dos meus esforços, o que mais temia aconteceu. Pere, um pescador da vila, viu-nos e esta manhã fez questão de deixar bem claro que me tinha visto "pecar" com um desconhecido nas areias de Ses Dones. Ameaçou contar tudo ao meu pai, mas o meu irmão conseguiu convencê-lo do contrário.

Sei que estiveste todo o dia à minha procura e calculo que não tenhas encontrado ninguém, pois como já deves saber a casa está abandonada há muitos anos. Nela vivia uma família que de um dia para outro desapareceu, deixando para trás todos os seus pertences e muitas histórias que têm alimentado a imaginação das pessoas da vila. De qualquer forma, essa é a única morada para onde me podes escrever...caso queiras, é claro.

Sei que não me conheces de parte alguma para continuares a ler estas linhas , mas peço-te que me deixes pelo menos explicar o porquê de ter desmaiado nos teus braços. Contrariamente ao que possas pensar, não és um desconhecido para mim. Desde pequena que apareces nos meus sonhos. Neles estou precisamente naquela praia, quando, de um momento para outro, cai uma névoa intensa e do mar surge um homem perdido que me pergunta como chegar até ao centro da vila. Este homem como podes imaginar és tu e o cenário não te será certamente estranho.

Gostava de saber quem és, de onde vens e o que fazias ali naquela noite de nevoeiro. Espero receber algum dia uma resposta tua, ainda que nunca mais te volte a ver. Peço-te também que não me tornes a procurar e que saias o quanto antes desta vila. Sempre tua, Laia"

Ao acabar de ler a carta, Andreu sentiu-se envadido por um misto de sentimentos contraditórios. Estava eufórico e simultaneamente mais triste que nunca. Não sabia o que pensar, nem o que fazer, mas ao olhar para o barco que o trouxera até Tossa de Mar, recordou que teria que rumar em direcção à sua cidade o quanto antes. A mercadoria que levava não poderia esperar mais. Aproveitando a calmia das águas olhou uma última vez para a rocha onde vira Laia na noite anterior. No seu lugar, estava apenas a cruz de feldespato e um vazio que ameaçava devorá-lo. Antes de partir, retirou o envelope do bolso e sentiu o doce aroma a camomila que jamais esqueceria e que para sempre ficaria associado àquela vila aparentemente tão hostil. (continua)

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