o MeU eU e Os OuTrOs EuS (eL mEu Jo I eLs AlTrEs JoS)

agosto 26, 2008

História de Laia (continuação 3)

- Não aguento mais! Estou cansado dos teus silêncios, segredos e diálogos surdos com o passado. Basta! - Ao pronunciar estas palavras Dídac levantou-se e começou a caminhar com a certeza de que esta tinha sido a última vez que a tinha acolhido nos seus braços. A última vez que os seus corpos se abandonavam numa união imaginada, já que Laia nunca tinha sido sua. Naquele momento, estava novamente ausente e parecia ignorar por completo a sua presença. As memórias do passado tornavam a atraiçoá-la e a levá-la para bem longe dali.

Ao vê-lo afastar-se, pensou se deveria segui-lo ou deixá-lo ir. Dídac era o homem que qualquer mulher desejaria ao seu lado. Juntava a um físico imponente, uma doçura inegualável e o carácter mais nobre que conhecera. E o mais importante é que amava Laia como se fosse a única mulher do mundo. Um amor que o acompanhava desde o momento em que se sentaram pela primeira vez nos bancos da escola primária. Foi nesse dia que, ao mergulhar no azul dos seus olhos, se deixou perder. Ao contrário Laia sempre o viu como um rapaz igual a tantos outros, um rapaz que com o tempo a conseguiu cativar, mas por quem nunca conseguiu sentir mais do que um carinho especial e uma amizade que jurara eterna.


Enquanto caminhava sem destino, as lágrimas corriam-lhe pelo rosto e o coração batia de tal forma que parecia querer sair-lhe do peito. Dídac pensava nos anos que passara lutando por um amor sem futuro. Agora, não podia continuar a remar sozinho, o barco tinha perdido o rumo e estava a ponto de naufragar. Continuar a viver das migalhas de um amor que não lhe estava destinado já não lhe servia. A esperança e o prazer que sentira uns minutos antes davam agora lugar à desilusão e ao abandono. Já não lhe interessava saber quais eram os pensamentos que Laia omitia. Queria pôr um final àquela situação e esquecer para sempre os olhos que o haviam enfeitiçado. Queria ser livre e voltar a sorrir. Queria voltar a amar e desta vez, queria ser amado.


Laia, aparentemente indiferente à partida tempestuosa de Dídac, continuava no miradouro do farol, contemplando as estrelas e o azul cobalto do céu. Após anos de espera, após tardes passadas junto à mesma rocha onde o encontrou naquela noite de nevoeiro, finalmente recebera a carta tão ansiada. Apesar de ter continuado com a sua vida e inclusive começado uma relação com Dídac, como agradecimento pela sua lealdade e amor ao longo de tantos anos, a verdade é que nunca esquecera Andreu. O estranho marinheiro de olhar cinza que continuava a visitá-la cada noite, trazendo cor aos seus sonhos.


"Querida Laia,


Escrevo-te esta carta sem saber se a vais receber ou se ainda te recordas de mim. Poderia começar por desculpar-me por nunca te ter escrito antes, no entanto prefiro assumir a minha cobardia. É verdade que não te escrevi, mas nem por isso te esqueci. Passaste a povoar todos os meus sonhos e momentos de solidão no alto Mar.


Terminas a carta perguntando quem sou, o que faço e o que me levou até ti. Pois bem, sou um simples homem que não tendo nada, nem ninguém, entregou a sua vida ao Mar, o único que nunca o abandonou. A minha passagem por Tossa foi ocasional e unicamente devida, à densa névoa que não me deixou continuar até ao meu destino: Barcelona.


Agora que já respondi às tuas perguntas, quero que saibas que não pude esquecer o teu olhar que tantas vezes revi no azul do mar que me rodeiava ou a cor de fogo dos teus cabelos que em cada entardecer pintavam o horizonte. Em cada grito de uma gaivota que se aproximava esperei notícias tuas, mas desconheço os mistérias da sua linguagem. Quando anoitecia pedia às estrelas que escrevessem no firmamento, mas nem elas me pareciam entender.


Não me resta assim nada mais que enviar-te esta carta e pedir aos deuses que a façam chegar a essas mãos que tanto anseio abraçar.


P.S.- Carrer de Sant Francesc, 10"

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